Como é que as células-tronco (CTs) embrionárias foram parar no Supremo Tribunal Federal, junto com traficantes, mensaleiros e sangues-sugas? Não eram elas a grande promessa terapêutica do século 21? Sim! Porém, seu uso envolve a destruição de um embrião humano, criando a possibilidade de violar o artigo 5o de nossa constituição, que garante "aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida". As embrionárias são o tipo mais versátil de CTs até hoje identificadas em mamíferos, com a capacidade de dar origem a todos os tecidos do corpo. Desde a década de 80 se fazem pesquisas com as CTs embrionárias de camundongos, e hoje sabemos como transformá-las em células cardíacas, em neurônios, entre outras, que quando transplantadas em animais doentes são capazes de aliviar os sintomas de diversas doenças, de Parkinson a paralisia causada por trauma da medula espinhal. A partir de 1998, com o estabelecimento das primeiras CTs embrionárias humanas, as pesquisas se voltaram à geração de tecidos para o tratamento daquelas doenças em seres humanos. Porém, como essas pesquisas exigem a destruição de um embrião de 5 dias – um conglomerado de aproximadamente 100 células –, uma nova polêmica surgiu no mundo todo: esse embrião é uma vida humana ou não? Ora, é claro que ele é uma forma de vida, assim como um feto, um recém-nascido e um idoso também são. A real questão é "que formas de vida humana nós permitiremos perturbar?". A "vida" mencionada na nossa Constituição já é legalmente violada em algumas situações: por exemplo, no Brasil reconhecemos como morta uma pessoa com morte cerebral, apesar de seu coração ainda bater. Essa é uma decisão arbitrária e pragmática, que nos facilita o transplante de órgãos. E no outro extremo da vida humana, durante o desenvolvimento embrionário? Ao proibirmos o aborto estabelecemos ser inaceitável a destruição de um feto. Por outro lado, se esse feto for o resultado de um estupro ou representar risco de vida para a gestante, no Brasil ele passa a ser uma forma de vida humana que pode ser eliminada. Porém, no que diz respeito às CTs embrionárias, o embrião em questão é muito mais jovem, ainda não tem forma e está numa proveta, e não implantado no útero. Notem que, ao aceitarmos as técnicas de fertilização in vitro (os "bebês de proveta"), aceitamos a criação desses embriões, que muitas vezes sobram, não são utilizados pelo casal e ficam esquecidos em congeladores. Foi muito conveniente ignorar esses embriões excedentes, pois afinal essa técnica permite que milhares de casais realizem o sonho de ter filhos. Já o uso desses embriões para tratar um enfarte ou ajudar um paralítico a recuperar os movimentos ainda está restrito a animais de laboratório. Talvez no dia em que as CTs embrionárias estiverem efetivamente sendo utilizadas em pacientes seja mais difícil argumentar contra o uso terapêutico daqueles embriões congelados. Mas esse dia só chegará se pudermos fazer pesquisa. No Brasil a polêmica do uso do embrião humano foi resolvida na Lei de Biossegurança de 2005, que permite a utilização para pesquisa de embriões inviáveis ou que estejam congelados há pelo menos 3 anos – tempo para o casal refletir bastante antes de decidir doar aqueles embriões para pesquisa. É uma solução ponderada, que permite o desenvolvimento das pesquisas com CTs embrionárias no país. A não ser que o STF entenda que essa lei é inconstitucional e a revogue, interrompendo essas pesquisas aqui. Em conclusão, o STF não deverá julgar se as CTs embrionárias são piores ou melhores do que as adultas – essa dicotomia não se aplica, pois precisamos pesquisar todos os tipos de CTs – nem se aquele embrião é vida ou não. Ele é uma forma de vida humana, mas provavelmente não um brasileiro ou estrangeiro residente no país aos quais a Constituição garante "inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". Nosso desafio é desenvolver as pesquisas com embriões humanos de forma ética e transparente, e, se por um lado não considero aquele embrião de 5 dias equivalente a uma pessoa nem a um feto, também não o considero somente um conglomerado trivial de células. Precisamos de legislação e vigilância, como as que evitam o comércio de sangue ou órgãos e ao mesmo tempo permitem que milhões de vidas sejam salvas com transplantes. Com a Lei de Biossegurança, o Brasil tem a oportunidade de ter uma vantagem competitiva na promissora área de estudos com CTs embrionárias. Depois de tantos anos de investimento em pesquisa, temos os cérebros, temos a infra-estrutura, mas precisamos da lei.
Lygia da Veiga Pereira é professora livre-docente e chefe do Laboratório de Genética Molecular do Instituto de Biociências da USP e autora dos livros Clonagem: da ovelha Dolly às células-tronco e Seqüenciaram o genoma humano... E agora? (Editora Moderna).
Células-tronco, embriões e a constituição
Escrito por: Décio Luiz Gazzoni*
Será possível produzir óleos vegetais que substituam o petróleo como combustível,
nos usos industriais, ou na farmacologia? Cientistas americanos estão buscando na
biotecnologia as respostas para esta pergunta. Um dos grupos que estudam o
assunto pertence ao Departamento de Agricultura norte-americano. Quem lidera as
pesquisas são o químico John Dyer e o geneticista vegetal Jay Shockey. O primeiro
desafio sobre o qual se debruçaram foi entender por que determinadas plantas,
como um arbusto chamado tungue, produzem óleos que não são encontrados em
outras espécies vegetais. Decifrar este mistério, escondido no código genético,
permitirá que se introduzam em outras plantas a capacidade de produzir os tipos de
óleo que a sociedade necessitar.
As plantas oleaginosas (ricas em óleos) estão entre as principais commodities agrícolas negociadas no comércio internacional. Em 2006, mais de 400 milhões de
toneladas de oleaginosas foram produzidas no mundo. A maioria dos óleos —
extraídos da soja, algodão, amendoim ou dendê — são produzidos para fins
nutricionais. Nessa área, as plantas poderiam ser alteradas para possuir teor
aumentado de ácidos graxos importantes para a saúde humana, como o ômega 3,
presente nos peixes: bons para o coração, o cérebro e os olhos. O trabalho de Dyer
e Shockey pode permitir, por exemplo, que a sociedade disponha deste benefício.
Mas é preciso lembrar que a indústria química atual é baseada no petróleo, produto
que hoje está associado a impactos ambientais, preços em ascensão e
esgotamento das reservas. Logo, há um grande potencial para os óleos vegetais,
que são quimicamente semelhantes ao petróleo cru, tornarem-se matéria-prima
para tintas, revestimentos, plásticos, fármacos ou combustíveis. Alguns óleos
importantes do ponto de vista industrial são produzidos em pequenas quantidades
pelas plantas. Em outros casos, as plantas que os produzem são de cultivo muito
difícil e de baixa produtividade.
Tomemos o caso da planta de tungue, que produz o ácido eleosteárico, um tipo de
óleo muito raro. Este ácido possui propriedades industriais interessantes, em
especial na aceleração da secagem de tintas a óleo. O ácido confere à pintura
características desejáveis de durabilidade e resistência à umidade, tanto em
superfícies de madeira quanto em plásticos. Se fossem usados óleos comuns para
esta finalidade, a tinta não seria absorvida pela madeira, nem secaria a contento,
resultando em uma pintura de baixa qualidade. Mas é muito difícil produzir tungue,
um arbusto sobre o qual pouco se conhece. A saída, então, pode ser produzir o
mesmo ácido em plantas que os agrônomos conhecem bem e que os agricultores
estão acostumados a cultivar, mas que hoje não são capazes de gerar esse óleo.
Para atingir este objetivo, os cientistas introduziram os genes que determinam a
produção do ácido eleosteárico na planta-modelo Arabidopsis, que pertence à
família da mostarda. Agora eles estudam os caminhos bioquímicos que fazem com
que a planta fabrique este óleo. O que Dyer e Shockey já sabem é que os genes
são responsáveis por ordenar à planta que produza determinadas enzimas, que por
sua vez fazem funcionar o mecanismo de produção e estocagem de óleo nas
células. Uma vez entendidos os pormenores do mecanismo, será fácil não apenas
produzir o ácido eleosteárico em plantas de fácil cultivo – como a soja – bem como
usar a mesma técnica para aumentar a produção de outros óleos, igualmente
demandados pela sociedade, e que sejam de difícil produção.
A pesquisa já deu passos largos, especialmente com a identificação da provável
família de enzimas responsável pelo elevado teor de ácido eleosteárico nas
sementes de tungue. Agora, os pesquisadores precisam identificar exatamente o
que faz cada enzima da família, para associá-las com o tipo de ácido graxo que se
pretende produzir. Depois de entender a atividade da enzima, será necessário
identificar o gene que a produz. A partir daí, os cientistas poderão transferir os
genes para outras plantas, de fácil cultivo, que atuarão como verdadeiras usinas
para produzir os ácidos graxos que a sociedade demandar. Além disso, os
cientistas podem aumentar a quantidade de óleo que uma planta produz.
Se este caminho for trilhado até o final, os cientistas terão descoberto uma fórmula
para tornar o século XXI progressivamente independente do petróleo e de seus
impactos ambientais e toxicológicos negativos. Este é o rumo para uma nova
economia, baseada em produtos naturais e renováveis. Enfim, uma economia
firmada em bioprodutos ao invés de insumos petroquímicos.
*Décio Gazzoni é engenheiro agrônomo, membro do Conselho de Informações sobre
Biotecnologia (CIB) e do Painel Cientifico Internacional de Energia Renovável do Conselho
Internacional de Ciências (ICSU).
Bactérias fazem bioredução de tricloretano em eteno
Um artigo publicado recentemente no jornal Environmental Science & Technology revela dados de uma pesquisa desenvolvida pelo pesquisador PhD Bruce Rittmann, diretor do Biodesign Institute’s Center for Environmental Biotechnology, e sua equipe sobre uma nova forma de remoção de substâncias que poluem a água. Rittmann já havia criado um sistema de tratamento conhecido como membrane biofilm reactor (MBfR). Este sistema utiliza microorganismos, de ocorrência natural, para remover substâncias contaminantes da água.O sistema MBfR foi utilizado pelos pesquisadores para remover da água uma substância conhecida como tricloroetano (TCE). Esta substância, utilizada como agente de limpeza e solvente, tem grande poder carcinogênico e, além disso, pode causar sérios danos hepáticos e disfunções do sistema nervoso central.Tentando neutralizar os efeitos do TCE, os pesquisadores descobriram que determinados microorganismos encontrados na natureza têm a capacidade de substituir o cloro presente na molécula do TCE por hidrogênio. Esse processo, conhecido como declorinação redutiva, apresenta duas vantagens em relação a outros processos, uma delas é o seu custo reduzido, e a outra é o fato de que, em alguns casos, os outros processos não reduzem o TCE há um produto final inofensivo. Os microorganismos usados no sistema são chamados de dehalogenerators e possuem uma afinidade por clorados orgânicos. No metabolismo dessas bactérias, é feita a remoção dos clorines, convertendo o TCE em eteno, que é uma substância inofensiva. No entanto, se as bactérias não realizarem a declorinação de forma completa, o TCE pode ser convertido em um produto de maior poder carcinogênico. Funcionamento do sistemaPara que os microorganismos possam mudar a composição química da substância contaminante, o sistema tem que abastecê-los de gás hidrogênio, o que é feito por meio de tubos submersos na água. As análises dos resultados mostraram que, no final dos testes, não foi encontrado nenhum vestígio de TCE no ambiente. Analisando a população de bactérias, os pesquisadores encontraram um novo tipo, por eles chamada Dealococcoides, com a capacidade de utilizar todo o hidrogênio fornecido pelo sistema e transformar o TCE em eteno. A identificação das bactérias presentes no sistema foi realizada por modernas técnicas moleculares e, além disso, foi possível identificar também os genes responsáveis pela detoxificação do TCE. Apesar das dificuldades de se transformar, no laboratório, bactérias em biofilme, os pesquisadores esperam poder produzi-lo em breve em escala comercial.